terça-feira, 2 de outubro de 2012

Claro enigma - Carlos Drummond de Andrade



Obra clássica, o livro “Claro Enigma”, de Drummond, é um dos pontos mais altos da obra deste que é um dos maiores poetas da língua portuguesa. Neste que é o seu oitavo livro, Drummond retorna às formas mais clássicas da poesia, como o soneto e a redondilha, após um período ligado ao modernismo paulista, atitude que foi muito criticada pelos imbecis.
Apesar de ser “A Rosa do Povo” o seu livro mais conhecido, é em “Claro Enigma” que muitos (inclusive este blogueiro) vêem o poeta em sua totalidade com relação à arquitetura e consciência verbal, bem como no emprego metafórico, sem nunca perder um lirismo impulsionado pela linguagem empregada bem ao nível da fala comum, característica marcante em sua obra.
São de “Claro Enigma” os dois poemas abaixo:

MEMÓRIA

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.

Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.


SER

O filho que não fiz
hoje seria homem.
Ele corre na brisa,
sem carne, sem nome.

Às vezes o encontro
num encontro de nuvem.
Apóia em meu ombro
seu ombro nenhum.

Interrogo meu filho,
objeto de ar:
em que gruta ou concha
quedas abstrato?

Lá onde eu jazia,
responde-me o hálito,
não me percebeste,
contudo chamava-te

como ainda te chamo
(além, além do amor)
onde nada, tudo
aspira a criar-se.

O filho que não fiz
faz-se por si mesmo.

Contexto Histórico: 
O Modernismo no Brasil 

Momento Histórico
- As máquina e o ritmo acelerado da civilização industrial se incorporavam à paisagem brasileira.
- Problemas sociais antigos continuam sem solução, produzindo tensões e conflitos graves. Os meios intelectuais sentem que é preciso reformar o Brasil, mergulhado numa contradição grave: a mesmo tempo em que se modernizava, mantinha uma organização social arcaica.

Características Literárias 
- A 1ª fase é a de ruptura com o passado. Humor, uso do coloquial, primitivismo, vanguardas, tudo é válido para criar uma literatura em sintonia com os novos tempos.
- Na 2ª fase se estabelecem o romance regionalista, que retrata uma certa região do pais, e a prosa intimista, que estuda o homem urbano.
- A 3ª fase nega algumas das propostas da 1ª e retorna o uso cuidadoso e consciente da palavra. O número de correntes literárias e autores cresce, o que torna difícil classificar essa fase.
Os poemas de Claro enigma, livro publicado por Carlos Drummond de Andrade em 1951, revelam um poeta ciente da finitude e disposto a analisar as conquistas e perdas da maturidade para, no atrito com o tempo corrosivo, enriquecer sua obra com a expressão das tensões vividas pelo homem que caminha, lúcido, para a morte. Drummond dedica-se a um exercício obstinado para compreender e representar poeticamente os efeitos desse devir nas respostas emocionais, nas ações praticadas e nos sentidos conferidos ao mundo, inserindo o tema na linha da investigação filosófica que anima a obra no período. Nesse movimento, nota a temporalidade vazia e as várias representações que procuram escamotear a angústia do tempo, reagindo a elas com a incondicional aplicação da lucidez na leitura de si mesmo e do objeto. Armado contra as imagens falaciosas do mundo, o poeta anuncia seu desligamento da poesia atravessada pela matéria histórica, que cultivara na década anterior, e, em seu lugar, apresenta uma poesia fortemente dissonante, que pretende a dicção alta e a referência mítica, mas desautoriza o conhecimento produzido pela tradição cultural. A resistência ao fluxo do tempo faz-se pela experiência amorosa e pela memória da família e da província. A vivência do amor permite ao sujeito reelaborar a vida que se esvai, resgatando alguma vitalidade no momento de ocaso. 



No entanto, é uma experiência antitética, já que sua aprendizagem é solitária e reafirma a morte incorporada. O estado de simpatia com a morte coloca a memória como a mais fundamental experiência do tempo e, nessa linha, a família e a terra natal são revisitadas em função do desejo de compreender a herança material-emotiva que os antepassados legaram. A palavra que rememora recria a família, tornando-a alvo do desejo e de uma prosaica mitificação, mas não basta para anular os conflitos do passado, que emergem e pontuam a singular identidade mineira do poeta. O conjunto das questões postas por Claro enigma define um paradoxo entre a proposta de idealidade, representada pelo não-tempo do mito, e o aprisionamento no fluxo diruptivo do tempo, promovido pela experiência da madureza. A lucidez impede a instauração da idealidade, mas o simbólico gesto de tirar os olhos do mundo, muito freqüente na obra, evidenciará a necessidade de manutenção de um refúgio para a subjetividade individual. Essa tensão é o principal recurso estruturador de Claro enigmaOs poemas de Claro enigma, livro publicado por Carlos Drummond de Andrade em 1951, revelam um poeta ciente da finitude e disposto a analisar as conquistas e perdas da maturidade para, no atrito com o tempo corrosivo, enriquecer sua obra com a expressão das tensões vividas pelo homem que caminha, lúcido, para a morte. Drummond dedica-se a um exercício obstinado para compreender e representar poeticamente os efeitos desse devir nas respostas emocionais, nas ações praticadas e nos sentidos conferidos ao mundo, inserindo o tema na linha da investigação filosófica que anima a obra no período. Nesse movimento, nota a temporalidade vazia e as várias representações que procuram escamotear a angústia do tempo, reagindo a elas com a incondicional aplicação da lucidez na leitura de si mesmo e do objeto. Armado contra as imagens falaciosas do mundo, o poeta anuncia seu desligamento da poesia atravessada pela matéria histórica, que cultivara na década anterior, e, em seu lugar, apresenta uma poesia fortemente dissonante, que pretende a dicção alta e a referência mítica, mas desautoriza o conhecimento produzido pela tradição cultural. A resistência ao fluxo do tempo faz-se pela experiência amorosa e pela memória da família e da província. A vivência do amor permite ao sujeito reelaborar a vida que se esvai, resgatando alguma vitalidade no momento de ocaso. No entanto, é uma experiência antitética, já que sua aprendizagem é solitária e reafirma a morte incorporada. O estado de simpatia com a morte coloca a memória como a mais fundamental experiência do tempo e, nessa linha, a família e a terra natal são revisitadas em função do desejo de compreender a herança material-emotiva que os antepassados legaram. A palavra que rememora recria a família, tornando-a alvo do desejo e de uma prosaica mitificação, mas não basta para anular os conflitos do passado, que emergem e pontuam a singular identidade mineira do poeta. O conjunto das questões postas por Claro enigma define um paradoxo entre a proposta de idealidade, representada pelo não-tempo do mito, e o aprisionamento no fluxo diruptivo do tempo, promovido pela experiência da madureza. A lucidez impede a instauração da idealidade, mas o simbólico gesto de tirar os olhos do mundo, muito freqüente na obra, evidenciará a necessidade de manutenção de um refúgio para a subjetividade individual. Essa tensão é o principal recurso estruturador de Claro enigma 
O poema se marca, pelo menos na sua camada mais evidente, por uma estética corrosiva que se concretiza no processo de interrogações e negações de cunho niilista, em consonância, aliás, com a onda existencialista em voga na década de 50, momento em que surgiu Claro Enigma. Ao eu poético parece nada restar a não ser a constatação da inutilidade de si mesmo e do mundo, numa reafirmação da visão shopenhaueriana, que também em Heidegger e Sartre encontra eco, segundo a qual é inerente ao homem a sua condição de ser para a morte. Esse recorte singular e solitário da individualidade contra os “monstros atuais” (7º verso), num diálogo surdo com o mundo, mostra-se como a face mais visível do poema de Drummond que, habilmente, guarda como seu trunfo maior aquilo que fará despontar, em seu final, para ser a contraface desse desencanto. É que, embora predominem espressões disfóricas que vão intensificando ao longo do poema o sentido da negação (ou do canto nenhum a ser legado), há outro sentido - o traçado pelo “passo caprichoso” - a irromper para além das negações.

O que interessa a Drummond quanto ao legado a deixar não é a sua obra enquanto totalidade ou acabamento, nem como universo reconfortante, mas como caminho de construção de uma escrita que se escreve dentro e fora do poeta, afirmando-o e libertando-o de seus limites. É o que diz Maurice Blanchot a respeito da obra, vista como fala errante: “uma obra está concluída, não quando o é, mas quando aquele que nela trabalha do lado de dentro pode igualmente terminá-la do lado de fora, já não é retido interiormente pela obra (...)” (1987, p. 48) E a saída que o eu-lírico drummondiano encontra para não ficar retido em sua obra é deslizar para um diálogo irônico com ela, examinando-a com o olhar do “vasto mundo” que o poeta já incorporara em sua poesia de 1930 (em “Poema de sete faces”, por exemplo) e agora recupera para reescrever em outros moldes aquela rima desencontrada com o mundo. O verso “Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.” não é senão um desdobramento de outros, legados de sua poesia passada: “Mundo mundo vasto mundo, / se eu me chamasse Raimundo (...)” - mas uma fala agora já mais amadurecida pelo corroer da consciência e menos explícita quanto ao jogo travado com a própria linguagem. Abandonada a rima, que seria apenas uma solução formal e não resolveria o conflito maior, de natureza semântico-existencial, o que fica para o poeta explorar nessa nova investida contra o mundo é uma matéria que não oculta a sua negatividade constitutiva: o canto não será radioso, não terá poder para desfazer a bruma ou espinhos, muito menos para seduzir ou encantar, diz o poeta. A voz órfica só existe mesmo como referência longínqua para uma modulação lírica moderna desacreditada de seus poderes


Nenhum comentário:

Postar um comentário